Empresas Jurídicas e a Contabilidade

Consultado sobre a constituição de Empresa Jurídica para atuar sozinho, ou seja, sem outro sócio, percebo que o dilema dos advogados é: continuar atuando como Pessoa Física (PF) ou passar à Pessoa Jurídica (PJ) e o principal, qual tipo de personalidade jurídica deve utilizar? Que tipo societário adotar?

Pois bem, neste curto paper pretendo mostrar as opções que os profissionais de direito possuem, assim como tentar esclarecer suas principais dúvidas.

Quanto à questão de permanecer como PF vai depender muito do valor mensal que o profissional ganhe de honorário. Permanecer prestando o serviço como pessoa física é indicado para iniciantes de carreira, principalmente aqueles que são contratados para realizarem audiências.

Neste caso o contratante deverá arcar com a obrigatoriedade de pagar o encargo previdenciário sobre o valor bruto dos serviços, fixado em 20% (vinte por cento). Há também empresas que contratam somente pessoas jurídicas, o que poder ser um limitador de mercado para o profissional atuar.

Após a decisão de criação de uma Pessoa Jurídica, o advogado vai se deparar com a questão da forma de sua constituição e como ocorrerá a respectiva tributação.

Não vislumbro qualquer possibilidade de um profissional do direito constituir um MEI (Micro Empreendedor Individual) para exercer suas atividades laborativas, pois estas objetivam atender empreendedores sem formação profissional regulamentada.

A segunda forma de constituir uma empresa sem a necessidade de possuir sócios seria a EIRELI*, Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, criada em 2011 através da Lei 12.441. Um limitante para este tipo de empresa seria a obrigatoriedade de integralizar um capital social mínimo de 100 (cem) salários mínimos vigentes, que neste ano de 2022 seria de R$ 121.200,00 (R$ 1.212,00 x 100), montante bem relevante para um profissional em início de carreira.

A terceira forma seria a SOCIEDADE UNIPESSOAL DE ADVOCACIA ou SOCIEDADE INDIVIDUAL DE ADVOCACIA (SIA), que por exigência legal deverá conter, na razão social, o nome do constituinte, completo ou parcial, com a expressão “Sociedade Individual de Advocacia”.

Toda a orientação para abertura desse tipo de empresa, modelos documentais e societários podem ser consultados acessando o site da OAB/RJ https://www.oabrj.org.br/sociedade-advogados.

Diante dos fatos até aqui narrados, não resta surpresa à grande adesão dos advogados a esta modalidade societária, atraídos pela desnecessidade de sócio, não obrigatoriedade de capital social mínimo e, ainda, possibilidade de enquadramento no Simples Nacional para tributação; como a EIRELI ou qualquer outra sociedade Ltda..

No entanto, a SIA apresenta uma situação que expõem demais o advogado, pois esta sociedade é ILIMITADA, fazendo com que o profissional responda com seus bens pessoais pelas dívidas que ultrapassarem os haveres sociais. No próprio modelo de contrato ofertado pela OAB, a cláusula sexta não deixa qualquer dúvida quanto a esta questão:

CLÁUSULA SEXTA – RESPONSABILIDADE DO CONSTITUINTE E PROCURAÇÕES DE CLIENTES

6. Além da sociedade, o sócio ou associado responderá subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes, por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer.

6.1 Com relação à responsabilidade do constituinte pelas obrigações não oriundas de danos a clientes, aplica-se o regime do artigo 1023 do Código Civil*.”

*Art. 1.023. Se os bens da sociedade não lhe cobrirem as dívidas, respondem os sócios pelo saldo, na proporção em que participem das perdas sociais, salvo cláusula de responsabilidade solidária.

Cabe então esta importante ressalva: o advogado SEMPRE responderá ILIMITADAMENTE pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, seja esta omissão dolosa ou culposa. A responsabilização civil do advogado está fulcrada na má prestação dos serviços profissionais e não no resultado negativo da lide, pois ao firmar contratação com seu cliente, não assume obrigação de resultado, mas obrigação de meio.  Então, se houver falha no “meio” (forma de exercer a atividade), na SIA, responderá o sócio ILIMITADAMENTE, inclusive com bens próprios, pelos danos sofridos pelo cliente.

Como constituir uma Pessoa Jurídica sem a necessidade de ter sócio, sem a imposição legal de valor mínimo para subscrição de capital social, ser tributada pelo Simples Nacional e ainda, não ter que responder ilimitadamente por possíveis danos?

Parece que não há uma resposta que englobe todas as necessidades argumentadas anteriormente, mas há sim algo relativamente não tão novo, mas que parece ainda não estar difundido e solidificado na rotina dos profissionais do ramo.

No ano de 2019 o Código Civil sofre alteração no seu artigo 1.052, através da Lei nº 13.874, conhecida também como Lei da Liberdade Econômica que passou a ter a seguinte redação:

Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.

§ 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas.     (Incluído pela Lei nº 13.874, 1de 2019)

§ 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.     (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Desta forma um advogado tem a opção de constituir uma Pessoa Jurídica sem a obrigatoriedade de constituir sócio ou imposição de capital social mínimo a ser subscrito, de responder limitadamente com os bens da empresa (exceto na relação com o cliente pelo exercício da advocacia) e ser tributado no Simples Nacional pelo Anexo IV.

Quanto à tributação as alíquotas variam de 4,5% a 33% conforme a faixa de arrecadação.

Mas será só essa tributação que terá? A resposta é não. Neste caso o CNAE para serviços advocatícios devem pagar a Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) normalmente, como qualquer outro contribuinte não optante pelo Simples Nacional, pois o percentual da CPP não estará incluído na alíquota de sua faixa de arrecadação.

Embora o Simples Nacional permita ter uma arrecadação até R$ 4.800.000,00, sugiro que o profissional do Direito ao atingir uma arrecadação que entre na 4ª faixa, contrate um estudo de planejamento tributário, pois nem sempre o Simples Nacional vai ser mais vantajoso que uma tributação pelo Lucro Presumido ou até mesmo do Lucro Real, mas aí vai depender de cada caso.

Carlos Eduardo Ribeiro: Escritor e Contador. Mestre em Ciências Contábeis pela UERJ, Professor da Universidade Federal Fluminense, Diretor Financeiro do Consórcio Intermunicipal de Saúde da Baixada Fluminense. Co-autor dos livros:

  • Entendendo o Plano de Contas Aplicado ao Setor Público;
  • Entendendo a Contabilidade Orçamentária Aplicada ao Setor Público;
  • Entendendo as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público;
  • Finanças Públicas em Tempos de COVID-19;
  • O Que Você Queria Saber Sobre Créditos Adicionais e Não Te Contaram.  Perguntas e Respostas.

Agradecimento ao amigo Cleusson Zippinotte, professor, advogado com vasta experiência no exercício da profissão, incluindo Chefia de Procuradoria Municipal, pela revisão e contribuições do material.

* A Lei 14.195 de 27/08/2021 – Lei da Liberdade Econômica, extinguiu a EIRELI que foi substituída pela SLU – Sociedade Limitada Unipessoal.


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