O DÉFICIT PREVIDENCIÁRIO NOS ASSUSTA COMO UM FANTASMA

No ano passado publicamos o artigo denominado “A Previdência inserida na Seguridade Social. Quebrando o mito da Previdência superavitária”, que pode ser acessada pelo link https://profcarloseduardo.blog/2019/04/17/previdencia-x-seguridade/, onde discorreu-se sobre a composição da Seguridade Social com base na Constituição Federal de 1988, abrangendo as áreas de Saúde, Previdência e Assistências Social.

Neste estudo demonstramos as origens das Receitas que a compõem e as respectivas despesas que são financiadas por estes recursos. Vimos que naquele exercício de estudo, a Previdência foi responsável por 70% dos gastos da Seguridade, seguida de longe pela Assistência com 18% e a Saúde com 12%.

Para uma análise mais profunda e didática elaboramos quadros evidenciando cada origem de recurso com as respectivas aplicações, tudo com intuito de elucidar a questão que a Previdência é deficitária, que deve ser analisada num contexto que envolve todas as demais áreas da Seguridade, e ainda, afastando o mito de que a Desvinculação das Receitas da União – DRU retira recursos da Assistência.

Tal fato não ocorre, porque o déficit é financiado pelo Tesouro Federal, então, o recurso da DRU é devolvido para a Assistência adido de outros bilhões de reais para cobrir o déficit. Para facilitar o desenvolvimento da leitura vamos apor a “Conclusão” do artigo publicado já mencionado na inicial deste texto:

“Conclusão

Após a análise dos dados pode-se concluir que a Seguridade Social no Brasil é deficitária.

Quando confronta os recursos previdenciários com as despesas previdenciárias, encontra-se um déficit bastante considerável para arcar com as aposentadorias e pensões.

Quando confronta os recursos não previdenciários com as despesas das áreas de saúde e assistência, também encontra-se um resultado deficitário.

O orçamento fiscal está sustentando o déficit da seguridade e passando para a população brasileira a conta desse desequilíbrio. Para tal, o Tesouro Federal terá que suprimir outras despesas em detrimento da Seguridade, ou aumentar impostos, ou se endividar com captação de recursos no mercado financeiro, gerando obrigação de pagar juros e deixando esse passivo para futuras gerações.

Precisamos encarar com seriedade essa situação e avançar da melhor forma possível dentro das possibilidades existentes. Os benefícios que se quer pagar tem que estar adequado ao que se quer financiar. Tudo é válido desde que a população conheça os dois lados da moeda e possa decidir sobre o que realmente deseja.”

Dando continuidade no trabalho iniciado em 2019 com os valores de 2018, trazemos a baila os valores de 2019, divulgados pela Portaria STN nº 39 de 29/01/2020. Dessa forma vamos apresentar os quadros elaborados com os valores do exercício de 2018 em comparação ao exercício de 2019.

Nosso objetivo é tentar criar uma comparação para análise sobre a influência das receitas e despesas da Seguridade e poder avaliar os resultados em cada uma de suas áreas de abrangência em serviços à população.

Gráfico 1 – Distribuição das Despesas da Seguridade Social

Independente da variação da arrecadação e dos valores das despesas, a proporcionalidade dos gastos dentro da Seguridade Social se manteve constante.

Com base na Tabela 1 do RREO vamos apresentar o detalhamento das receitas e despesas da Seguridade Social de forma geral e depois de forma analítica por área.

Quadro 01 – Detalhamento das Receitas e Despesas da Seguridade Social

A apresentação demonstra que o déficit da Seguridade Social passou de R$ 170,98 bilhões em 2018 para R$ 211,92 em 2019, aumentando 24,93%.

O Quadro 01 demonstra como seria o resultado sem Desvinculação de Receitas da União (DRU). Isso é importante para evidenciar que mesmo com a DRU o resultado é deficitário e o Tesouro Nacional irá arcar com a diferença. Quando há déficit, a DRU não influencia, pois o Tesouro deverá desembolsar recursos próprios para garantir as despesas inerentes à Seguridade Social.

Com objetivo de afastar qualquer influência da Previdência no tripé da Seguridade, apresenta-se uma série de quadros que demonstram raciocínio didático quanto à questão da receita e sua aplicação.

Ao comparar apenas a Receita Previdenciária oriunda da contribuição dos empregados e empregadores com a Despesa do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), confirma-se a majoração do déficit em R$ 18,99 bilhões, alcançando a monta de R$ 213,30 bilhões em 2019 contra R$ 194,31 do exercício anterior.

Quadro 02 – Receita Previdenciária x Despesas Previdenciária com o RGPS

Ao avançar na comparação e incluir toda a arrecadação aos regimes previdenciários (RGPS/RPSS/Pensões Militares) com as respectivas despesas, encontra-se resultado deficitário em R$ 154,95 bilhões no exercício de 2018 e de R$ 199,30 em 2019. Conclui-se, portanto, que cada regime específico não arrecada o suficiente para custear os gastos anuais.

Quadro 03 – Receita Previdenciária x Despesas Previdenciária segregada

Então, para arcar com a Previdência Social, além da arrecadação feita em contribuição previdenciária, outras receitas da seguridade teriam que destinar alguns bilhões para cumprir com a totalidade das despesas do RGPS, RPPS e Pensão dos Militares. A apuração mostra que esses bilhões aumentaram em R$ 44,35, ou seja, 28,62% (9,77% no RGPS; 13,45% no RPPS; 6,14% na PM), além da DRU no último ano ter sido menor que em 2018.

O gráfico a seguir tenta demonstrar o abismo financeiro (Receitas x Despesas) de cada setor da Previdência, dando ao amigo leitor a noção exata do déficit que precisa ser solucionado.

Gráfico 2 – Confrontação das Receitas Previdenciárias X Despesas Previdenciárias

Dando sequencia ao nosso estudo, passamos agora a confrontar o restante das receitas e despesas da Seguridade.

Quadro 04 – Resultado da Seguridade após descontar Déficit da Previdência

  Quanto às áreas de Saúde e Assistência houve uma redução do déficit, isso devido ao nosso modelo comparativo, uma vez que confrontamos estas despesas com as receitas não previdenciárias, que apresentou um aumento percentual maior que o aumento das despesas destes grupos.

Optou-se por confrontar todas as Receitas da Seguridade que não sejam previdenciárias com todas as despesas com Saúde e Assistência, para depois inserir o déficit previdenciário e chegarmos ao resultado geral da Seguridade.

O país aprovou algumas reformas previdenciárias no ano de 2019, que começarão a apresentar impactos a partir de 2020 e aí podemos vislumbrar se os resultados foram positivos para tentar diminuir este déficit crescente a cada ano, que asfixia o orçamento federal e inibe que o país tenha fôlego para investir em infraestrutura e gerar condições para angariar investimentos do setor privado, trazendo novos empregos, tecnologia e oportunidades de exportação.

No entanto, nossa legislação apresenta a questão dos GASTOS TRIBUTÁRIOS, que são gastos indiretos do governo realizados por intermédio do sistema tributário, visando a atender objetivos econômicos e sociais e constituem-se em uma exceção ao sistema tributário de referência, reduzindo a arrecadação potencial e, consequentemente, aumentando a disponibilidade econômica do contribuinte. Os gastos tributários podem ter caráter compensatório, quando o governo não atende adequadamente a população quanto aos serviços de sua responsabilidade, ou caráter incentivador, quando o governo tem a intenção de desenvolver determinado setor ou região.

Assim, as desonerações permitidas são calculadas e classificadas como GASTOS TRIBUTÁRIOS, ou seja, são recursos que poderiam ingressar no caixa federal, mas não ingressam. Como ensina o Prof. Paulo Henrique Feijó, afetam diretamente o resultado da previdência no sentido de que, em tese, este valor poderia estar ingressando no caixa do governo e ajudando a financiar o pagamento dos benefícios previdenciários. Esse seria um caso de impacto direto. Obviamente as renúncias das contribuições que financiam a seguridade social impactam o Resultado da Seguridade Social e indiretamente a previdência, pois são abrangências diferentes.

No Demonstrativo de Gastos Tributários do PLOA 2019, elaborado pela Receita Federal, estimava-se valor total na ordem de R$ 306 bilhões, onde nossa área de estudo apresentava a seguinte estimativa:

Quadro 05 – Gastos Tributários estimados pela RFB para 2019

Conclusão

Ainda estamos buscando ajustes na legislação para equilibrar a situação financeira da Previdência, da Saúde e da Assistência Social, que formam nossa Seguridade Social.

Com certeza, cada área precisa ser analisada profundamente na questão da amplitude da disponibilidade dos serviços prestados, das concessões, da coparticipação para certos benefícios, do tempo de contribuição, da idade para aposentadoria, dentre outras.

O que nos acostumamos por décadas, ratificado pela Carta Magna de 1988, que o Estado deveria ser o provedor de tudo, no entanto, o Estado tem que arrecadar do cidadão para poder efetuar este gasto. Na atualidade, as beneficies e direitos concedidos foram muito além da capacidade contributiva da sociedade, levando a um aumento da carga tributária jamais visto na história, aliado a uma ineficiência burocrática de um poder público gigantesco, aumentando a sensação de desamparo por parte da sociedade.

Estamos no limiar de se decidir qual o caminho a trilhar, do rumo à recuperação ou do rumo ao caos financeiro e fiscal. Mas uma certeza é inquestionável, quase um axioma nas decisões que estão sendo tomadas, o remédio é amargo demais, mas no fim vale salvar o paciente mesmo que este apresente devaneio nos seus sonhos pretéritos de boa vida que o levou a doença quase incurável.

Agradecimentos aos amigos pela revisão do artigo e contribuições.

Paulo Henrique Feijó, Contador e Auditor Federal de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional e Consultor Técnico do Fundo Monetário Internacional; e

Leandro Menezes, Contador e Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná – TCE-PR.


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