A Crise Fiscal dos Estados Brasileiros e a Parábola do Sr. People

Notícia da semana que se inicia é que o Estado do Rio Grande do Sul tenta se reestruturar para pode ter acesso ao Regime de Recuperação Fiscal da União e a suspensão do pagamento da dívida por determinado período que o ajudará a diminuir o caos fiscal que passa. O Estado projeta um déficit orçamentário para 2019 de R$ 4,3 bilhões, ou seja, despesas maiores que receitas. Por que se chegou a esse ponto? É recente? Claro que não, hoje se espelha uma situação que vem se repetindo há anos e não houve medidas concretas que pudessem conter esse descontrole fiscal. Para ler a matéria completa acesse o link https://exame.abril.com.br/economia/rio-grande-do-sul-tenta-se-recuperar-com-plano-ambicioso/ e poderá ver que o remédio será amargo, bem amargo ao povo caudilho.

A grave crise do nosso estado rio-grandense é espelhada nos dados consolidados de dez/2018, com quase dez bilhões de dívida maior que o limite fiscal do Senado Federal:

A situação caótica é ratificada com mais esta informação sobre a situação de caixa para pagamentos de curto prazo:

Diante da notícia posso imaginar alguns grupos que irão se posicionar contra o ajuste que é fundamental e me veio em pensamento a parábola da família do Sr. People, criada junto com os demais contos das mil e noites de desesperos dos governadores e prefeitos para fechar suas contas como gestores.

Era uma vez………. uma família de classe média composta pelo pai, Sr. People, pela mãe, Sra. Mãedeferro, e um casal de filhos adolescentes que viviam bem financeiramente, com escolhas sobre gastos e pressionadas sempre pelo consumo, mas levavam tudo dentro de um controle bem feito.

Sr. People conhece uma nova pessoa, a Sra. Boadrasta, se apaixona e desfaz o casamento. Agora a família tem uma composição diferente. Pelo discurso encantador, pelas propostas expostas numa fala fácil, amável e cordial, os filhos se encantam e decidem morar com o pai e sua nova esposa.

A vida muda pra melhor, a família adquire um SUV da moda financiado em 72 meses. Todos vão passar férias na cidade encantada dos parques temáticos nos EUA. As malas voltam abarrotadas de roupas de marca e eletroeletrônicos de última geração. O sonho está se concretizando. Os finais de semana são regados a restaurantes descolados ou em hotéis fazendas. Os filhos, esses tem assinaturas de streaming para filmes, músicas, academia, cursinhos. Os amigos de escola estudam em sua casa todos os dias com lanchinhos especiais. Duas empregadas garantem os afazeres da casa e a boa vida dos moradores. A Boadrasta sempre tem um mimo pra família, uma peça teatral, aquele cineminha no meio de semana, um japonês pra regar uma quarta-feira à noite. Enfim, a família vive a sua belle époque.

Sr. People já não consegue manter as contas em dia, paga uma conta e atrasa outra, a reserva financeira criada a tanto custo num passado recente já não existe. Num momento reúne a família e anuncia que não está dando pra pagar mais todas as despesas. Boadrasta sentindo que a fonte secou faz seu show emotivo e deixa o “barco”. O Sr. People sem saber o que fazer recorre a Sra. Mãedeferro.

Apiedando-se da situação, a genitora volta a morar com a família e após uma semana de observações, estudo dos documentos e hábitos familiares anuncia as medidas saneadoras para a família voltar a ter uma vida fiscal saudável e para o Sr. People não ser tão pressionado:

  • Venda do carro novo, saldar o financiamento e aquisição de um carro mais simples com redução de 70% do valor da mensalidade do financiamento;
  • Corte das viagens férias e de finais de semana por um ano;
  • O lazer dos filhos terá um teto e eles vão administrar os valores, que deverão durar por um mês. Poderão gastar ao longo do período ou em um dia, quem decidirá será o responsável pelo dinheiro;
  • Contingenciamento das refeições em restaurantes pelo prazo mínimo de três meses, quando será reavaliada esta medida;
  • As atividades extracurriculares serão limitadas a uma pra cada filho durante seis meses;
  • Corte da academia, vão se exercitar na academia do condomínio.
  • Os grupinhos de estudo vespertinos terá café, mas qualquer outra alimentação será por rateio entre os participantes;
  • Demissão das duas empregadas e a contratação de diarista duas vezes por semana. Cada membro da família deverá contribuir com o trabalho doméstico;
  • Cancelamento de todos os Streamings individuais e assinatura de um único provedor para a família toda;
  • Plano controle para uso do celular e da internet móvel;
  • TV por assinatura será reduzido para pacote mais barato;
  • Compras de roupas novas será uma decisão da família em virtude do evento e da real necessidade;
  • As despesas com a escola serão diminuídas com o corte atividades extras e cantina, os filhos vão levar lanche de casa;
  • O plano de saúde será revisto para avaliar uma proposta mais em conta com coparticipação.

Incrédulos, os jovens se desesperam a cada anúncio da Mãedeferro, estavam perdendo toda mordomia que não contribuíam para ter, somente consumiam em razão do esforço excepcional do Sr. People.

Ao final da explanação os filhos bradaram: Você está tirando nossos direitos, você é uma “mãecista”! Você está tirando dinheiro da família pra dar para os bancos! A Mãedeferro responde que está pagando aos bancos o dinheiro que pegaram dele para financiar as mordomias, que os bancos não têm nada a ver que se usaram os recursos para gastos supérfluos e não para investimentos em bens da família.

E a ladainha juvenil continuou: tempo bom era da Boadrasta, ela nos liga até hoje pra saber como estamos e diz que não podemos perder tudo aquilo que ela nos fez conquistar. O Sr. People não sabe o que fazer, fica entre o discurso da Mãedrasta e a chantagem dos filhos, mas vê que não pode mais sustentar tudo como antes, não tem mais forças, não tem mais tempo pra arrumar outra atividade. É pressionado emocionalmente pelos filhos que falam sempre bem da época da Boadrasta, de tudo que ela fez pela família, pelos momentos alegres em passeios e viagens.

Num ato desesperador a filha fala: papai, o tio lá de CUBAtão lhe deve dinheiro, se ele pagar não precisa desses cortes. O Sr. People responde que ele não vai pagar porque está falido e mesmo assim só pagaria as despesas por dois meses. Mas pai, e os seus clientes que não pagaram? Com calma o pai responde que já colocou na justiça, mas mesmo assim só cobre uns três meses do orçamento da casa.

O Sr. People está pressionado pelos filhos mimados que querem uma boa vida sem querer contribuir e a antiga esposa, que quer fazer com que a situação seja novamente administrável, mas precisa de apoio para impor disciplina e limites de gastos.

E agora Sr. People, qual decisão você vai tomar?

A Contabilidade vai registrar todos os fatos que ocorrem numa entidade independentemente se for pública ou privada. As decisões dos gestores que levam a situações de prosperidade ou de caos total, pois os desejos são infinitos, mas os recursos para satisfazê-los são finitos.

A situação fiscal é refletida pelas ações dos gestores e não pelos registros contábeis, pois a “gestão criativa” que influencia o descompasso entre arrecadação e gasto.

Na Administração Pública a conta sempre vai chegar e será paga geralmente por quem não usufruiu as beneficies dadas de forma irresponsável sob um discurso carismático eivado de ideais sublimes.

No caso do Estado do Rio Grande do Sul, a suspensão do pagamento da dívida em virtude do Regime de Recuperação Fiscal da União não será solução se não fizer o trabalho de adequar suas despesas ao tamanho de sua arrecadação. O mesmo exemplo, em devidas proporções, também vale para a família, se não adequar seus gastos aos vencimentos do Sr. People.

Na minha vida profissional aprendi muitas coisas, mas um ensinamento que veio da caserna, onde atuei como oficial do nosso glorioso Exército por nove anos, é que:

“Nem sempre quem nos coloca em situações difíceis é nosso inimigo e nem sempre quem coloca em situações fáceis é nosso amigo”. (adaptado)

Agora cabe ao Sr. People identificar quem é o seu verdadeiro amigo para tomar as decisões do curso financeiro de sua família. Sua escolha seu destino.

Responsabilidade Fiscal acima de tudo!!
Ajuste Fiscal para todos!!

Agradecimentos aos amigos pela revisão do artigo e contribuições.

Paulo Henrique Feijó, Contador e Auditor Federal de Finanças e Controle da Secretaria do Tesouro Nacional e Consultor Técnico do Fundo Monetário Internacional; e

Leandro Menezes, Contador e Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado do Paraná – TCE-PR.


2 comentários sobre “A Crise Fiscal dos Estados Brasileiros e a Parábola do Sr. People

  1. Excelente, adorei. O exemplo vem de casa. O Brasil, estados e municípios, deveriam fazer a lição de casa. Uma casa com responsabilidade fiscal.

    Curtir

Deixe um comentário